O médico tem que ouvir
Revista IstoÉ/Nacional
Antonio Carlos Lopes
Temos assistido a um grande progresso da medicina. Várias especialidades surgiram e o impacto da tecnologia se faz notar em todas as áreas médicas. Máquinas podem tornar o homem transparente, podendo o doente ser visto no seu interior não apenas para fins de diagnóstico, mas também para tratamento, evitando-se frequentemente cirurgias. Porém, é importante que não se esqueça que nenhuma máquina (ressonância nuclear magnética ou ultra-som, por exemplo), por mais infalível que seja, mostra as condições sociais, econômicas, familiares e culturais de um paciente, que muitas vezes são direta ou indiretamente as causas de uma doença. Todos que exercem a medicina deparam com pacientes portadores de uma infinidade de exames normais, porém mesmo assim doentes, expressando seu sofrimento. Chegamos a ponto de ter 70% de exames normais nos ambulatórios e 40% nos hospitais, o que contribuiu para a impagável medicina do século passado e nos permite antever que tornará ainda mais cara a do próximo milênio.
O progresso da tecnologia e sua supervalorização tanto pelos médicos como pelos doentes tornou a doença mais importante que o doente e não raramente observa-se o tratamento da doença e não do doente que a possui. É fácil entendermos que os aparelhos, a despeito da sua importância, esfriam o relacionamento do médico com o paciente. Este, pelas inúmeras informações e influências que recebe, perde a condição de entender que o médico pode estabelecer diagnóstico e tratamento adequados e precisos sem o concurso de exames sofisticados. É o caso de questionarmos se diante desse grande avanço tecnológico o médico perderá no futuro para as máquinas utilizadas para diagnóstico. A resposta é simples: alguns sim, outros não. Perderá o que for tecnicista e vencerá o humanista, que veja o doente de forma holística, não apenas seus órgãos comprometidos, mas como um todo, e pertencente a uma comunidade, uma família e que possui uma atividade profissional frequentemente angustiante. É importante frisarmos que a ressonância nuclear magnética, por exemplo, é um exame de grande valor diagnóstico, mas não mostra o mecanismo das doenças nem a interface do homem com a sociedade.
É preciso que o médico veja o paciente não apenas sob o ponto de vista de um órgão doente, mas sim de um ser humano que está sofrendo e cujo sofrimento representa muito mais do que a manifestação do órgão. É importante que seja resgatada uma das principais características da medicina: a relação médico-paciente. Somente dessa forma a medicina poderá tornar-se mais econômica e humana, sem discriminação social e dispensando exames subsidiários desnecessários e dispendiosos. Um exame clínico acurado feito por um médico com boa formação e disposto a ouvir e examinar o paciente, e com tempo para dedicar-se a ele, permite que o diagnóstico seja estabelecido em aproximadamente 70% das vezes, com um mínimo de exames auxiliares. É preciso, cada vez mais, que o médico tenha tempo para ouvir o doente, pois na maioria das vezes o diagnóstico já pode ser estabelecido apenas na entrevista.
A relação entre médico e paciente deve ser de confiabilidade, de direitos e deveres recíprocos, de respeito mútuo, com o médico descendo de seu pedestal para colocar-se ao lado do doente, levando em consideração os seus problemas sociais, familiares e profissionais. A experiência do dia-a-dia tem demonstrado que, quando o médico examina o seu doente, algo de extraordinário acontece, pois há redução da frequência cardíaca, da pressão arterial, e a sudorese (excesso de suor), frequentemente presente, denotando ansiedade, diminui consideravelmente. Este é um dos aspectos que evidenciam a nobreza da medicina. A presença do médico jamais será substituída, a despeito da importante e notável pujança da tecnologia que se encontra à sua disposição.
Professor Titular de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo e Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
08 novembro, 2005
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